Como o uso do computador está transformando a cabeça das crianças – e como protegê-las das ameaças da internet
CIBERNÉTICAS Jade Souza (à esq.), de 9 anos, pesquisou sobre reciclagem na internet e aprendeu a separar o lixo. Isabella Marti, de 7, usa o computador desde os 2 anos. As duas representam uma geração que já nasceu conectada |
Gustavo Neno Altman é tão fanático por futebol que em seu aparelho
dentário há um escudo do Corinthians gravado. Aos 9 anos, joga bola com
os amigos, é assinante de um jornal esportivo, freqüenta estádios com o
pai e tem um blog sobre futebol na internet. Todos os dias, ele lê os
cadernos esportivos e resume em seu blog as notícias que o interessam.
“Dá um trabalhão”, diz. “Mas não imagino minha vida sem internet.”
Gustavo faz parte de uma geração que nasceu com o computador em casa: os
“nativos digitais”. O termo foi cunhado pelo educador americano Marc
Prensky, autor do artigo “Digital natives, digital immigrants” (“Nativos
digitais, imigrantes digitais”), em que faz uma divisão entre aqueles
que vêem o computador como novidade e os que não imaginam a vida antes
dele. O artigo, de 2001, é um dos mais citados em publicações da área de
educação, de acordo com o Instituto para a Informação Científica dos
Estados Unidos.
Antes do artigo de Prensky, não havia um termo que definisse a geração que cresce imersa na tecnologia. Autor do livro Digital Game-Based Learning (Aprendizagem
Baseada em Jogos Digitais) e criador de mais de cem games, ele afirma
que as ferramentas eletrônicas são como extensões do cérebro dessas
crianças. Elas fazem amigos pela rede, conhecem o mundo pelos
buscadores, desenvolvem habilidades por meio de videogames, criam
páginas pessoais em fotologs, blogs e sites de relacionamento. Além de
navegar na internet, são capazes de operar outros aparelhos eletrônicos
com muita facilidade, como celulares, iPods, controles remotos de DVD e
TV, às vezes vários ao mesmo tempo. “Eles migram de um software para
outro, como se trocassem a gangorra pelo balanço”, afirmou Prensky a
ÉPOCA. Os “imigrantes”, de acordo com ele, são os que assistiram ao
nascimento da internet e se adaptaram a ela. Ainda se lembram das
primeiras conexões, quando a linha telefônica costumava cair, e
normalmente não confiam na memória do computador a ponto de dispensar o
papel. Apesar de acessar a rede com desenvoltura, os imigrantes preferem
ler um artigo impresso. “É como mudar de país. As pessoas ficam até
íntimas com o novo idioma, mas não perdem o sotaque.”
As conversas no chat
desenvolvem o
raciocínio crítico e
melhoram a
argumentação da
criança
Os nativos digitais têm contato com a tecnologia logo após o nascimento.
Crianças com menos de 2 anos já se sentem atraídas por vídeos e fotos
digitais. A intimidade com o computador, porém, costuma chegar aos 4
anos. Nessa idade, já deslizam o mouse olhando apenas para o cursor na
tela. Aos 5, reconhecem ícones, sabem como abrir um software e começam a
se interessar pelos primeiros jogos virtuais, como os de associação ou
de memória. Claro que, como em qualquer outra atividade, a desenvoltura
nas telas variará de criança para criança. Aos 7, é a hora do primeiro
grande marco tecnológico na vida dos nativos: eles criam um e-mail, a
identidade para quem navega no mundo virtual. Em pouco tempo, a criança é
capaz de “adicionar” – como se diz na linguagem da internet – uma série
de amigos virtuais em sites de relacionamento. Aos 6 anos, Maria
Eduarda Inácio criou sua página no Orkut antes mesmo de saber escrever o
próprio nome. A pequena catarinense queria ter um álbum de fotos
digitais que pudesse ser visto na casa da avó e das amigas. Em vez de um
fotolog, Maria Eduarda pediu que a mãe criasse uma página no Orkut para
ela. Os pais já eram usuários do maior site de relacionamento do
Brasil. Maria Eduarda, hoje com 7 anos e quase alfabetizada, se
interessa por grupos de afinidade – ela participa de comunidades. A mãe,
Vanessa Cristina de Souza, de 23 anos, continua a escrever para ela no
computador. Em uma dessas comunidades, “Duda não! Maria Eduarda”, a
menina se agregou a outras 1.232 Marias Eduardas que, como ela, não
gostam de ter o nome abreviado. Maria Eduarda também brinca de boneca no
computador. Ela prefere a boneca virtual porque, segundo ela, “a de
verdade não tem um guarda-roupa cheio de roupas cor-de-rosa e brilho –
iguais às da Barbie”. A psicóloga Rosa Maria Farah, do Núcleo de
Pesquisas da Psicologia em Informática (NPPI), da PUC de São Paulo,
afirma que é bom a mãe estar sempre com a menina no computador, como é o
caso de Maria Eduarda. “Nessa idade, é preciso ter cuidado em
apresentar à criança não mais do que ela está preparada para receber.”
Rosa Maria é uma das autoras do recém-lançado livro Relacionamentos na
Era Digital (ed. Giz Editorial), uma coletânea de artigos de psicólogos.
Eles foram unânimes em dizer que essa nova geração articula idéias de
forma mais rápida e abandonou a lógica linear, com começo, meio e fim.
É pela rede que as
crianças se comunicam,
tanto com os pais quanto
com pessoas que elas
nunca viram.
A internet é cheia de hiperlinks, as janelas sem fim. Um site remete a
outro, e assim sucessivamente. Ao contrário do que alguns educadores
pensavam, as crianças fascinadas com o mundo virtual não se perdem nos
sites de buscas. “Os nativos não se surpreendem com a imensidão da rede.
Eles sabem que ela é quase infinita e, por isso, não abrem o espectro
mais do que precisam”, diz Agnaldo Arroio, do Departamento de Ensino e
Formação de Professores da USP. Junto com a facilidade de lidar com
vários aparelhos eletrônicos ao mesmo tempo, a relação com o computador
transforma a mente das crianças. “O reflexo disso é um cérebro cheio de
conexões, ativado por várias partes que realizam tarefas aparentemente
simples”, diz Geraldo Possendoro, especialista em Neurociências e
Comportamento da Universidade Federal de São Paulo. Um dos maiores
impactos no modo de pensar são os videogames. Neles, “o fator mais
importante na hora de responder é a velocidade”, diz Possendoro. Para
não perder o jogo, a criança precisa ser rápida na avaliação das opções
que tem e tomar uma decisão certeira. Se bobeia, perde o jogo. Essa
análise instantânea das informações faz com que ela desenvolva maior
capacidade cognitiva. Mas a velocidade carrega um efeito potencialmente
ruim, de acordo com Claudemir Viana, do Laboratório de Pesquisa sobre
Criança, Imaginário e Televisão da Universidade de São Paulo. “Elas
podem perder a reflexão”, diz. As crianças também se tornaram mais
sintéticas. De certa forma, impacientes com quem não tem as mesmas
habilidades que elas na internet. “A garotada não consegue entender como
a gente faz o caminho mais longo em vez de usar os atalhos”, diz
Arroio, da USP. Eles têm dificuldades para assimilar a tecnologia
superada. “O sistema operacional DOS, o primeiro usado em computadores
domésticos pelos “imigrantes”, soa como um bicho-de-sete-cabeças para
eles”, afirma Marc Prensky.
Katia Mello e Luciana Vicária
Fonte: Matéria públicada na Revista Época em 12/06/2008 - 12:17 | Edição nº 48.
1 comentários:
Olá Antonio!
Estou aqui retribuindo sua visita ao meu blog. Sempre é bom encontrar um espaço que trate de reflexóes sobre educação. Abraço!
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